sexta-feira, 26 de março de 2010

Sobre a Arte de Estudar - Olavo de Carvalho (fragmentos)

No seu livro Como se Faz uma Tese, Umberto Eco enuncia uma série de regras para a organização dos estudos tendo em vista que o aluno tenha por objetivo tornar-se um intelectual de profissão no quadro dos estudos humanísticos da universidade européia e mais particularmente italiana. O terreno escolhido delimita claramente o objetivo, os meios, o cronograma e as formas de controle. É claro que uma parte das técnicas sugeridas pelo autor se aplica com utilidade em outros contextos, podendo servir a um estudante universitário brasileiro ou mesmo a um pesquisador independente fora do quadro universitário; também é claro que grande parte das sugestões indicadas se transforma, neste último caso, em sobrecarga inútil, e que o pesquisador independente encontraria outros problemas, para os quais o livro dirigido ao universitário italiano não oferece solução.
Um outro livro muito conhecido é A Arte de Ler, de Mortimer J. Adler. Ele se dirige essencialmente ao homem comum, ao comerciante, ao trabalhador, ao pai de família, dotado de boa formação ginasial, de um conhecimento suficiente da língua inglesa, mas profissionalmente alheio à ocupação intelectual. Suas técnicas destinam-se a fornecer a este homem os meios de posicionar-se no quadro das idéias e valores cujo intercâmbio e conflito constituem a trama básica da cultura Ocidental, e fazê-lo num prazo razoavelmente curto, quatro ou cinco anos. O ideal é fazer do cidadão comum um observador consciente desse teatro das idéias, não propriamente um participante ativo.
Ambos esses livros pressupõem um quadro social estável e perfeitamente definido, no qual a função intelectual ocupa um lugar bastante claro. Se as universidades italianas estivessem em fase de experiência e mudassem de programa e de exigências curriculares todo ano, ou se a sociedade americana estivesse num estado de crise permanente que dissolvesse o quadro de estabilidade que garante os lazeres e o equilíbrio psicológico da classe média, nem Umberto Eco poderia descrever com tanta facilidade os caminhos que levam ao sucesso acadêmico, nem Adler conseguiria com tanta desenvoltura comunicar ao cidadão americano uma imagem de conjunto da cultura do Ocidente.
Os quadros sociais críticos e turvos embaralham os dados necessários à compreensão do terreno, à delimitação da nossa posição nele e à concepção do plano. No quadro brasileiro, a descrição dos meios e etapas para uma formação intelectual não podem de maneira alguma resumir-se nem nas receitas de sucesso acadêmico de Umberto Eco, nem no otimismo humanístico da idéia de ²cultura geral ( pressuposta por Adler. O problema, para nós, é enormemente mais complexo. Temos de levar em conta alguns fatos que intimidariam o mais arrogante dos acadêmicos europeus e fariam desanimar o mais confiante dos americanos.
Dentre esses fatos, o mais desanimador é a enorme complexidade da gramática portuguêsa e o estado presente da nossa língua, que, em parte pelas deficiências do ensino, em parte pelo impacto massacrante da linguagem padronizada das comunicações de massa, em parte pela penetração dissolvente de um número excessivo de gírias de curta duração ( provenientes sobretudo da disseminação de estados psicóticos induzidos pela experiência das drogas ), em parte, afinal, pela cumplicidade demagógica dos próprios escritores, ansiosos de popularizar( à força sua linguagem, chegou ao ponto de perder toda eficiência enquanto veículo de comunicação de idéias e de tornar-se apenas um cacarejo vagamente impressionista.
Como já apontamos numa aula anterior, a maior parte das leituras cultas da nossa juventude é constituída de traduções, e a tradução, no Brasil, é o quartel-general da inépcia. A regra áurea do menor esforço produz adaptações forçadas da nossa língua às sintaxes estrangeiras, implantando nos nossos hábitos subconscientes toda uma esquematologia artificial e despropositada, que vai aos poucos entravando a nossa agilidade mental. Isso é ainda mais grave porque a maior parte das traduções é feita do inglês, e a língua inglesa tem, por um lado, uma estrutura sintática muito simples e, por outro, um vocabulário imenso e uma potencialidade infindável para a criação de compostos, de expressões idiomáticas e de adaptações de palavras estrangeiras ( sendo ela mesma o resultado da fusão de duas línguas completamente diferentes entre si e não, como a nossa, uma herança mais ou menos direta do latim ). A nossa lígua, ao contrário, tende, como o latim, a uma sintaxe mais puramente geométrica e a uma severidade maior perante a assimilação de termos estrangeiros. Se o inglês tende às expressões abreviadas e sintéticas, sendo, por isto, a língua por excelência da poesia lírica, somente de longe rivalizada pelo alemão, a nossa, ao contrário, é uma língua de distinções sutilíssimas, onde o deslocamento de uma vírgula produz as maiores dubiedades, e que, por isto, requer construções mais detalhadas e propicia um extremo rigor de argumentação dialética; é, como o latim, uma língua de juristas e teólogos, e daí que as nossas expressões líricas tendam frequentemente a refrear-se pela ironia, quando não podem disciplinar-se pelas rígidas leis da métrica clássica. Não é à toa que os nossos poetas mais eminentes — Drummond, Bandeira, Murillo Mendes, Mário Quintana — são todos sentimentais irônicos, e que os poetas puramente sentimentais e intimistas são geralmente de segunda ordem, ao contrário do que se dá na literatura inglesa e alemã.
Esses fatos são por demais evidentes, e a ampla inconsciência deles nos nossos meios letrados tem produzido os mais desastrosos efeitos, agravados pela nossa condição de cultura imitativa.
Em qualquer tradução, é fácil ver que, onde o inglês escreve duas linhas, o brasileiro ou português tem de escrever três ou quatro, para prevenir as dubiedades. A tentativa de copiar o sintetismo inglês produz apenas uma aparência enganosa de simplicidade, que faz o leitor, a longo prazo, acostumar-se a uma taxa anormal de dubiedades entrevistas e não esclarecidas. Isto acaba por formar no subconsciente do leitor brasileiro uma massa de obscuridades, cuja presença estorvante, no fim, lhe parece tão natural quanto a dificuldade de respirar se torna um hábito natural para o asmático de nascença. Ele se acostumou a entender pouco, e não lhe ocorre que poderia entender melhor.
Na mesma medida em que o português, como o latim, é uma língua de precisão, uma língua de disputas dialéticas e jurídicas, nesta mesma medida é uma língua onde o descuido na construção da frase produz inevitavelmente a dubiedade, da qual se escapa em inglês pelo fato de que a simplicidade de sintaxe, e o grande número de palavras curtas, atraem a atenção do leitor mais para a forma da frase como um todo do que para as distintas relações entre termos isolados de uma mesma frase, exatamente ao contrário do que acontece no português. Daí o famoso argumento do gramático Napoleão Mendes de Almeida, de que não se pode escrever bem em português sem haver estudado latim, que habitua a mente aos complexos problemas das nuances sugeridas pelos jogos de construção das frases.
Num momento em que o inglês se torna a língua predominante de cultura, substituindo primeiro o latim e depois o francês, as desvantagens para a língua portuguêsa são evidentes. As dificuldades de comunicação se avolumam, e a massa de intelectuais de pequeno e médio porte passa a acreditar que se trata de uma deficiência congênita da própria língua portuguêsa, e não da dificuldade que eles mesmos têm de se adaptar ao gênio próprio dessa língua após terem aprendido a pensar em inglês, ao invés de latim ou grego. Assim, alguns deles, dentre os mais populares, chegam ao auge de pedantismo de não conseguirem se comunicar sem trazer entre parênteses os equivalentes ingleses dos pronomes retos e oblíquos que empregam. A moda foi lançada por Paulo Francis ( homem cujo talento só teria a ganhar com a exclusão de todo pedantismo anglo-saxônico).
O problema da língua é só o primeiro. Defrontamo-nos, em seguida, com o fato de que a nossa formação ginasial nem de longe se compara àquela fornecida pelas escolas americanas ou européias. Um menino francês não chega de modo algum à universidade sem ter-se demonstrado capaz de explicar-se com lógica e elegância segundo as regras estritas da composition française, isto é, sem ter adquirido o domínio de uma arte de estruturação das idéias e palavras que, no Brasil, bastaria para habilitá-lo a ser um jornalista de primeiro plano, bem acima dos recém-formados pelas faculdades de jornalismo. Nem chegará um menino italiano a escapar das garras do ensino secundário antes de haver enfrentado a métrica de Dante e Manzoni, Leopardi e Pascoli, ao passo que o nosso gosto literário é formado sob o parâmetro fixado por Joaquim Manuel de Macedo e Bernardo Guimarães, isto quando não resvala ao nível de Caetano Veloso, Pelé, Alziro Zarur, e quando a sem-vergonhice estabelecida não faz dos nossos jovens ginasianos o pretexto e veículo inocente para o escoamento forçado da produção abundante e abusiva do ²jovem escritor nacional²; neste caso, considerações de oportunismo profissional, de mistura com a patriotada de sempre, acabam primando sobre o dever de transmitir, aos jovens, valores universais que são o sustentáculo de toda cultura. Problemas desta ordem foram abundantemente descritos pelo heróico batalhador da cultura, Osman Lins. E os livros que ele escreveu sobre isto têm diretamente um valor prático para nós, pois cada um dos alunos aqui presentes padece interiormente das deficiências criadas pelo estado de coisas que ele descreve.
Um terceiro ponto com que nos defrontamos é o próprio caráter imitativo e farsesco da vida cultural num país satélite, onde a vida cultural depende, seja de uma fortuna hereditária que permita as viagens de estudo, a aquisição de livros estrangeiros e o contato com atmosferas culturais mais respiráveis, seja da inserção do candidato nas filas do puxa-saquismo oficial, na disputa das magras verbas de pesquisa, em toda uma árdua concorrência por migalhas, desgastando nessa miséria todo o idealismo da sua juventude. Resta a opção de, afastando-se do meio acadêmico, buscar abrigo no mundo dos espetáculos e das comunicações de massa, cuja recompensa financeira custa a imersão na atmosfera de leviandade, diz-que-diz e vida boêmia, que arrasa toda vocação intelectual já na primavera de uma carreira de estudos.
Finalmente, a constatação das dificuldades materiais gera no aspirante a esperança insensata de conseguir primeiro melhores condições sociais e econômicas, para depois, e somente então, iniciar seriamente uma vida de estudos. Ninguém, jamais, em toda a história cultural brasileira, alcançou a vitória por este caminho e, ao contrário, o número daqueles que a alcançaram pelo esforço de estudar desde a juventude, suportando com paciência e resignação a miséria material e social, inclui os maiores nomes das nossas letras e ciências, sendo antes os ricos de nascença uma exceção notável. Das camadas ricas nunca saiu nem Capistrano de Abreu nem Machado de Assis, nem Cruz e Souza nem Da Costa e Silva.
Finalmente, o empenho de industrialização a serviço do estrangeiro faz descer sobre a alma da nossa população um conjunto de falsas e aberrantes normas éticas, que, sob pretexto de adaptação social e de realismo, induz todos a pensarem que o ideal de um ²bom emprego( coincida com a segurança e a paz necessárias ao lazer intelectual; e os brasileiros ingênuos se esforçam para enquadrar-se nesse ideal, sufocando-se de sentimentos de culpa quando não conseguem atingi-lo, sem dar-se conta de que os agentes desse ideal — os portavozes do capitalismo — nem de longe se encarregam de gerar o número de empregos necessário à consecução do ideal proposto, e de que a prometida estabilidade é propositadamente acenada como bandeira no intuito de manter escrava uma população perpetuamente em busca daquilo que é reservado a poucos.
Ao encetarmos o planejamento de uma vida intelectual no Brasil, devemos levar em conta todos esses fatores, pois eles constituem a topografia do terreno onde se desenrolarão as nossas batalhas.
No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, a vida a serviço do espírito requer a abdicação inicial de toda e qualquer esperança de encontrar qualquer apoio que seja na rede de instituições e costumes da sociedade vigente. No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, uma vida a serviço do espírito requer que não se busque apoio em nenhuma outra parte a não ser no Espírito mesmo. A vida intelectual no Brasil, há de ter o caráter de um radicalismo extramundano e mesmo abertamente antimundano: mais do que em qualquer outro lugar, a vida intelectual aqui é um esforço de austeridade monástica. É preciso buscar apoio na confiança inabalável nos princípios e valores que em toda parte e sempre fundaram a validade e universalidade da inteligência humana, e trabalhar numa via de mão única que desce perpetuamente do Céu à Terra, sem nada pedir à Terra e sem nada extrair dela senão o mínimo absolutamente indispensável à sobrevivência material e ao prosseguimento do trabalho.

Desprezar ativamente o aplauso dos imbecis e o apoio dos falsos. Nada esperar senão o prêmio final e supremo dos esforços humanos, que é o de ter vivido na verdade e pela verdade. E não há outro paraíso senão este.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Arte de Escrever, Arthur Schopenhauer

Ler cansa. Cansa porque envolve esforço, tempo, concentração. Hoje, com todas as facilidades da vida moderna, muitos lêem somente quando são obrigados: na escola, para o vestibular, na faculdade, ou para se manter atualizado profissionalmente. Poucos são os que lêem por prazer. Menos ainda aqueles que escrevem por prazer. A maioria dos escritores "vivem da literatura e não para a literatura", segundo Schopenhauer. E raras vezes ambas atividades são exercidas pelo mesmo homem. Enquanto muitos gastam suas energias e recursos em festas, divertimentos, busca de prazeres fulgazes, A arte de escrever mostra como gastar e obter um retorno à altura, com a literatura.
De espírito eternamente provocador, Arthur Schopenhauer foi um filósofo que influenciou grandes nomes da atualidade, como Machado de Assim, Nietzsche, Freud, Wagner, Tolstói, Sartre e Thomas Mann, entre outros. E hoje ainda é considerado um dos principais pensadores de toda a história alemã. A arte de escrever é uma coletânea de cinco ensaios que Schopenhauer escreveu em seu livro Parerga e Paralipomena (Acessórios e Remanescentes) que contém ensaios sobre diversos temas. Os cinco escolhidos são os que falam da literatura: escrita, estilo, leitura, crítica e pensamento literário.

1. Sobre a erudição e os eruditos (Über Gelehrsamkeit und Gelehrte). O autor critica muito aos pretensos eruditos, dizendo que quem lê muito pensa pouco. Ele classifica como escritores distintos aqueles que vivem DA literatura dos que vivem PARA ela. Outro ponto importante é quando ele diz que "a maior parte de todo o saber humano, em cada um dos seus gêneros, existe apenas no papel, nos livros, nessa memória de papel da humanidade. Apenas uma pequena parte está realmente viva, a cada momento dado, em algumas cabeças" (pg. 29). As revistas literárias ao invés de separarem o joio do trigo, tem suas opiniões pagas e passam a indicar livros ruins para os leitores.

2. Pensar por si mesmo (Selfstdenken). A organização dos pensamentos é fundamental. E pensar com profundidade é possível somente sobre o que se conhece, e vice-versa. "Uma pessoa somente deve ler quando a fonte de seus pensamentos próprios seca" (pg. 42). Tanto a leitura excessiva quanto a experiência não substituem a arte de pensar. Pensar requer mais esforço que elas. O pensador deve ruminar suas próprias idéias para chegar à conclusões por si só e assim desenvolver o seu raciocínio sozinho.

3. Sobre a escrita e o estilo (Über Schriftstellerei und Stil). Há escritores - e livros - bons e ruins. O escritor é ruim quando escreve por dinheiro. Os livros mais recentes não são os melhores e "o público é tão simplório que prefere ler o novo a ler o que é bom" (pg. 70). Como a maioria dos livros é ruim, devemos desmerecer os ruins para valorizar os bons. O autor critica o anonimato, tanto na escrita quanto na crítica. O estilo revela o tipo de escritor que escreveu a obra. Se ele escreve mais palavras do que realmente precisa, ou é confuso e obscuro, só tenta parecer que sabe mais do que realmente sabe. Schopenhauer enumera a partir daí vários vícios que desmascaram os escritores ruins.

4. Sobre a leitura e os livros (Über Lesen und Bücher). "Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental" (pg. 127). A maioria dos livros é escrita somente para vender, e tão importante quanto escolher o que ler, devemos escolher o que NÃO ler, pois a vida é curta, e o tempo e energia são limitados. Biografias não devem ser lidas em substituição às obras originais escritas. Somente pouco mais de uma dúzia de obras a cada século irão permanecer para a eternidade. "O reconhecimento pela posteridade costuma ser pago com a perda de aplauso por parte dos contemporâneos, e vice-versa" (pg. 138).

5. Sobre a linguagem e as palavras (Über Sprache und Worte). Este é o ensaio mais técnico, e define que as primeiras palavras a existirem foram as interjeções. Como disse Voltaire, o adjetivo é inimigo do substantivo. A língua vive um momento em que não se aperfeiçõa mais, somente fica cada vez pior e mais simples. Quem aprende mais de uma lingua aprende não só palavras novas, mas conceitos novos. Expande a sua maneira de pensar. Por isto que as traduções são imperfeitas, pois há palavras em uma língua com um conceito impossível de traduzir para outra língua. Schopenhauer estimula o estudo do grego, do latim e do alemão.

Depois de citar algumas passagens e pensamentos, posso concluir que é um livro que merece ser lido e relido. O autor provoca. Dá alfinetadas, e eu mesmo senti algumas. Mas ele defende bem os seus argumentos e provoca a reflexão no leitor. É um livro escrito para escritores, para leitores e para pensadores. Diferente de O Caminho das Pedras, de Ryoki Inoue, que nos ensina como escrever um best-seller, um livro escrito objetivamente para vender e você ganhar dinheiro, A arte de escrever mostra como escrever um livro para a humanidade, que mostre o potencial do escritor e faça as gerações posteriores usarem o livro ponto de partida à sua própria evolução.
( Jefferson Luis Maleski)


ARTHUR, Schopenhauer. A arte de escrever. Rio Grande do Sul: L&PM pocket, 2007

terça-feira, 23 de março de 2010

CIDADÃO 100 % NORTE-AMERICANO

O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta se tomou doméstica na índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo: ou de seda; cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso de mocassins que foram inventados pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos e entra no banheiro, cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se com sabão, que foi inventado pelos antigos gauleses; faz a barba, que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do Antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira de tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no Antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra no pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.
De caminho para o breakfast pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é o inventado na Itália medieval, a colher vem de um original romano. Começa seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar seu leite são originários do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na índia. Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou uma planta doméstica na Ásia Menor. Rega-os com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de urna espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia oriental, salgada e defumada por um pro­cesso desenvolvido no norte da Europa.Acabando de comer nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta original do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarros provenientes do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for um bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser 100% americano.

LINTON, Ralph. O homem: Uma introdução à antropologia. 3ed., São Paulo, Livraria Martins Editora, 1959. Citado em LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003, p.106-108]

terça-feira, 16 de março de 2010

Iapôi Cineclube incentivando a cultura e despertando o senso crítico

Em Goiana - PE ocorre quinzenalmente aos domingos o Iapôi Cineclube, com o objetivo de provocar debates após a exibição de filmes.
Os filmes trazem temas de extrema importância para a formação cidadã e os debates têm o intuito de criar provocações para despertar o senso crítico e discutir certas problemáticas sociais.
O IAPÔI cineclube conta com o apoio do ponto de cultura Aláfia e do Movimente Cultural Silêncio Interrompido e é membro do CNC (Conselho Nacional de Cineclube), FEPEC (Federação Pernambucana de Cineclube).



Goiana - PE (Igreja Matriz, cartão postal da cidade)



Escola Ciranda de Letras onde ocorre quinzenalmente o Iapôi Cineclube



Painel para a divulgação do filme



Exibição do filme batismo de sangue no domingo 14/03



Expectadores


Debate após o filme

segunda-feira, 15 de março de 2010

A mísera briga irracional

Cotidianamente vemos no grande teatro da vida o espetáculo da imoralidade, do desrespeito, egocentrismo, arrogância, prepotência, etc. Os animais assim como o ser humano agem instintivamente para sobreviverem e os mais fortes se sobressaem em detrimento dos mais ‘’fracos’’, como previu Darwin. Já para Hobbes o instinto do homem é essencialmente mal, e para isso é necessário a existência do Estado, pois o homem é incapaz de viver em harmonia com seu próximo.
Não é difícil vermos hoje em dia uma verdadeira luta de titãs onde os homens brigam para conquistar não mais a presa e sim o mercado de trabalho. Esse trabalho escraviza psicologicamente as pessoas e as torna individualistas, pois não podemos enxergar o colega de trabalho como “o próximo”, mas sim como “o inimigo”.
Esta briga acaba ocasionando um duelo interno, onde os titãs privam-se de espiritualidade, boa alimentação, integração com a natureza, contato com as pessoas, boas horas de sono, etc.
Com o decorrer desta batalha interna as olheiras são inevitáveis, a obesidade se torna evidente e os livros de auto-ajuda servem para tentar “curar” as feridas causadas pelo desequilíbrio. Depois vem os remédios e as sessões com os psiquiatras e os vícios servem para aliviar as tensões, as dores, o stress e preencher o vazio que acabamos cavando com a pá do individualismo.
O apego material é algo evidente nestes titãs, a supervalorização pelo dinheiro, o luxo, pompa e toda sorte de supérfluos são os temas mais apetitosos dentro deste grupo e as ‘’fofocas’’ parecem causar um grande êxtase de orgulho.
Para a mulher do chefe dos correios seria insuportável a idéia de que a mulher do diretor dos correios tivesse um vestido melhor que o seu no dia do baile. E o corretor odiaria ouvir que o saldo bancário do juiz é maior que o seu. Os filhinhos tanto do corretor quanto da mulher do chefe dos correios duelam para somarem a maior quantia de presentes que já ganharam e sempre falam das qualidades de seus “brinquedinhos” tentando provar qualquer coisa que os torne “melhor”.
O objetivo do trabalho é tirar os subsídios necessários para nossa sobrevivência, o orgulho é sentimento para pessoas vis, o apego material é para aqueles que preenchem a vida com quinquilharias no lugar de sentimentos, e os arrogantes e prepotentes são os mais ignorantes. A humildade é a virtude dos nobres de alma, pois a nobreza materialista é mais suja que a lama. Leonardo da Vinci já dizia, Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o Céu, enquanto que as cheias as baixam para a terra, sua mãe.

“Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro.
E vivem como se nunca fossem morrer...
...e morrem como se nunca tivessem vivido”
(Dalai Lama)

Por Nathaly Pereira e Gileat Paulino

sábado, 13 de março de 2010

Diante da Lei e a inacessibilidade à justiça

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirigi-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas agora não”.
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: “Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro”. O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada.
O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado para a viagem com muitas coisas, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: “Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa”. Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei; Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Tornando-se infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. “O que é que você ainda quer saber?”, pergunta o porteiro. “Você é insaciável.” “Todos aspiram à lei”, diz o homem. “Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: “Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”. (KAFKA, 2008, p. 214)
Uma breve tentativa de interpretação deste conto que está inserido no livro O processo de Kafka, nos faz notar como é difícil entrarmos na lei (alcançarmos a justiça). O homem do campo representa aquele que não tem conhecimento da lei, aquele que mora numa cidadezinha do interior e que vem para a grande cidade lutar pelo seu direito, representa aquelas pessoas que não sabem ler nem escrever e muito menos conhecem as leis do nosso país, mas os legisladores pátrios não querem saber disso: Art. 3º L.I.C.C. – Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
O porteiro é o representante do Estado, aquele que tem a permissão de deixar entrar na “lei” segundo seus critérios de admissão. E este porteiro nosso de cada dia, está explicito pela burocracia, indiferença dos servidores públicos, imoralidade administrativa, o clientelismo, patrimonialismo, ineficiência estatal etc.
Isso não é só um problema no Brasil, em muitos países subdesenvolvidos ocorre do mesmo modo, onde os “GRANDÕES” brigam pela parte mais gorda do leitão, enquanto a população fica comendo as migalhas. Pois é, as pessoas se acostumam com muito pouco, gostam de ser cômodas, de passar o domingo na frente da TV, enquanto certos agentes políticos estão agindo de má fé com o dinheiro público. O pior é que os veículos de informação tentam nos mostram o que está acontecendo no cenário político atual, mas os programas humorísticos nos fazem dar boas risadas, encenando as ações de corrupção dos políticos. Sendo assim presumimos que somos melhores que eles, pois não seriamos capazes de fazer tal feito. E conseguimos desligar a TV depois de umas boas gargalhadas e colocar a cabeça no travesseiro sem grande dificuldade como se nada tivesse acontecido. Para tentar melhorar esta situação o Sensibilismo incorporou o núcleo de direito e cidadania que irá esclarecer a população de seus direitos, por meio de palestras, debates, peças teatrais, contos etc. Os temas abordados conterão noções básicas de ciência política, teoria geral do direito e do estado, sociologia e filosofia política. Acreditamos que só teremos um futuro melhor quando tivermos uma população instruída, uma população que não baixa a cabeça diante das dificuldades e luta para "entrar na lei" e finalmente alcançar a JUSTIÇA.

De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. (Rui Barbosa)


KAFKA, Franz. O processo. Tradução de Modesto Carone. 2. ed. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.
Por Gileat Paulino

sexta-feira, 12 de março de 2010

Subversão de valores, ou ainda, mãe quero ir ao Shopping!

Atualmente existe uma rede de relações sociais que está totalmente ligada a certos subsistemas (posto policial, fazenda do Coronel, a área do traficante, a “lei” do político da cidadezinha do interior etc.) que por sua vez ganham força e se espelham no sistema maior que é representado pelo Estado (leviatã) que imperiosamente tem o poder de resolver os conflitos sociais e criar diretrizes para o convívio “harmônico” dentro da sociedade. O sistema e os subsistemas acabaram moldando características que ossificaram e são inerentes a determinados grupos de pessoas dentro de um território, essas características se baseiam em moldes tidos por “Os Melhores” que existem no ocidente e veio com a cultura de massa e o consumismo desenfreado.
Hoje em dia existe o amor comprado na padaria, mas isso é culpa dos padeiros que começaram a vender sonhos e agora já não é mais difícil encontrar o amor em qualquer esquina. Já tem até farmácia querendo vender a "pílula da felicidade".
O que mais conseguimos identificar nas ruas são pessoas padronizadas, que fazem parte de um circulo social que apresentam as mesmas características (roupas, saldo bancário, jardim com orquídeas roxinhas, já ouvi até dizer que algumas têm o mesmo marido, mas deixemos isso de lado).
Precisamos mencionar as crianças neste breve romance da vida cotidiana. Desde que nascem já herdam os nomes estrangeiros isso é impressionante, mostrando ainda a forte influência da Europa na vida deste povinho tão querido, agora entendo o que Lima Barreto sofreu ao tentar mostrar a realidade brasileira deixando de lado os moldes e as influências européias, mas juro que se vivo fosse naquela época, eu o teria aconselhado, como não? Claro que o teria aconselhado, aposto minha cabeça com o diabo que o teria aconselhado da melhor forma possível.
Eu iria insistir para que o seu Policarpo Quaresma não fosse um tanto nacionalista. Existem as dores de estômago dos fidalgos, elas são tão atraentes que não sei de onde o Barreto foi ver utilidade em descrever a realidade social brasileira.
Voltando as queridinhas crianças bochechudas brasileiras, elas são apresentadas logo, bem cedinho ao titio Ronald Mcdonald, pois é, a McDonald's é como se fosse uma grande casa aconchegante e o Ronald é o nosso titio querido, e fazemos questão de visitá-lo constantemente e sempre saímos de barriga cheia e felizes de sua casa.
A TV faz sua parte em apresentar as coisas boas da Vida, como por exemplo este anúncio publicitário:
Viram, como a publicidade faz sua parte, somos uns malditos ingratos, eles tentam nos mostrar o melhor e às vezes ficamos “cegos” diante de tanta coisa que vemos no shopping e não escolhemos o devido cartão de crédito.
Será que não temos cultura própria ou tudo que temos é uma má herança capitalista americanizada? Nosso povo esqueceu de seus verdadeiros heróis e acabam aceitando o primeiro herói que vêem pela frente, mas estes não deveriam ser os vilões?
Onde estão os princípios que outrora defendíamos com sensatez, onde está a bravura do leão do norte que foi invejada pelos Europeus? Precisamos urgentemente educar nossos filhos, AMAR as pessoas de forma espontânea, o processo de criação artístico deve ser inovador e criativo, deixemos as más influências de lado. Devemos voltar ao passado, até quem sabe a Grécia antiga para resgatarmos a ética aristotélica e a virtude dos sábios gregos. Devemos nos lembrar da vida com respeito, harmonia, integração que nossos queridos índios praticavam espontaneamente. Onde fomos parar? Quais são os nossos verdadeiros valores? Quem é o dono das nossas vidas? Não é preciso imediatismo com a resposta, mas devemos nos lembrar do que fomos um dia e o que somos agora?

STANDARD. Se a felicidade é um estado de espírito, use seu Cartão Sollo como guia espiritual [Anúncio]. In: INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto. 6ª ed. São Paulo: Scipione, 2006. p. 33.

Por Gileat Paulino